A Linha do Eco

O que se forma no peito é nuvem. Fuligem. Esfinge que te atinge o âmago. Bem no centro, certeiro, cirúrgico, pontual. As facadas se ensaiam primeiro como agulhas. Por todos os meses menos um da gestação. A chuva se precipita como quer: atroz, veloz, feroz. E o olhar do amor vira o olho do ódio. Tudo o que existe se torna, assim, uma bela porção de nada. Nada! Espaços com eco. Eco! Cortinas vazias. Barulhos. Inchaço. Cansaço. Silêncios.

Uma vez me disseram que os problemas da vida vêm menos das catástrofes dos céus, e mais das catástrofes das gentes. Toda estatística diria isso (se elas dissessem alguma coisa) ou as muitas observações de escutas clínicas (essas dizem muito): o mal está dentro. Quem você ama, respeita ou venera é a sombra que vai te destruir tão completamente quando a hora chegar. E quase sempre, quando a hora chega, a gente não está preparado para aquilo que vem. Quase nunca a gente se ordena para o que não acreditava ser possível. Quase nunca a gente aprende a desconfiar que a ponte diante do abismo vai se dissolver. E ela se dissolve na hora em que mais precisamos dela. Como corresponde.

O fato é que as ondas de total destruição raramente se podem prever. Mas certamente elas vão acontecer. Prestes a nos dilacerar sorrateiras, de noite, no escuro, no vazio da casa cheia de ecos em que você se encontra sem força e sem valor.

Depois de tanto apanhar, e de quase morrer, tantas e tantas vezes, a conclusão é óbvia: é chegada a hora de você se transformar em monstro. Não para destruir quem quer te destruir. Mas para não perecer.

Simples como um risco de giz no chão. Hoje, a linha do eco é a linha tracejada entre o fim do cosmos e o começo do caos.

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