Jogo da Velha

     Ela tinha um jogo da velha empatado tatuado no braço.
     — Por que o empate? — eu perguntei.
     Ela disse que era uma forma de alcançar um equilíbrio que fosse possível. Era o que ela buscava.     
     Depois me contou que o jogo lhe acontecia na mente repetidas vezes. Todo o tempo, lance a lance, quase uma obsessão. Não importava onde ela estivesse e nem o que estivesse fazendo. As jogadas se materializavam ordenando-lhe a atenção do instante. Assim: movimento depois de movimento. As bolas. As cruzes. A hesitação do tempo. As pausas. Os silêncios. A tensão e a expectativa. O risco e o rabisco. Até chegar no deadlock.
Embate. Impasse. Empate.
    — E depois? O que acontece quando a partida termina?
    — Ela começa outra vez — ela respondeu.
     Uma busca ou uma fuga que lhe exigia o empenho de observar. Só observar.
     Ela sabia os movimentos de cor. Sabia também o que um e outro lado poderiam ter feito para vencer o jogo. Mas quando a imagem dava play na cabeça dela, ela só conseguia estar lá, não atuar lá. Um jogo dela, interno, externo, do qual ela era espectadora e joguete.
    — Foi aí que eu fiz a tatuagem — ela disse. — Tive que fazer. Só assim pro jogo parar de tocar na minha cabeça.
    — E ele parou?
    — Só em dias pares. O empate parece que gosta dos ímpares.
    — Ou busca os ímpares para parear. Porque o ímpar dá possibilidade de mexer, o par não dá. Todo par é uma junção de ímpares. E todo ímpar é um par que se desprendeu.
    — Ou que não se encontrou.
    — O fato é que um empate só se dá em pares. Pares fortes se empatam. Pares fracos viram ímpar.
     Aí ela retrucou, mais alto do que costumava falar.
    — Eu sei porque isso acontece. É que eu estou empatada. Gosto do empate. Mas preciso terminar esse jogo de uma outra maneira.
     Então ela agarrou a caneta. Riscou o papel com tinta preta no limite de furar a folha. Fez da bola um buraco. Da cruz, uma espada. Juntou os dois, bolacruz, círculoxis, esferacorte. De novo e de novo. E assim preencheu a trinca em diagonal. Uma vitória dos dois juntos. Não mais empate.
     — Pode tatuar.
     — Tem certeza?
     Ela devolveu com um olhar de lince. E fechou as pálpebras com suavidade assim que a agulha lhe encostou na pele.

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