A carta

Outro dia, encontrei uma carta assim de lado, amarela e amarrotada como se fosse um velho jornal.
Ela dizia assim:

“Que saudade que me dá das coisas mais simples.
Bestas até.
Coisas que a maioria faz num modo quase automático sem nem se dar conta.

Coisas como um jantar caseiro improvisado acompanhado por uma bebida de custo baixo comprada no mercado da esquina.
Coisas como passar o sábado de lua cheia conversando na janela vendo as nuvens encobrindo e desencobrindo a lua, que permanece ali, estática, quieta em seu lugar, pronta para ser admirada por todo o universo.
E, no dia seguinte, ver o domingo ser inaugurado com pompa, brilho e esperança no sol do quase meio dia que subitamente invade o quarto nos lembrando que é hora de acordar.
E passar o fim de tarde brincando de achar o lagarto verde que se esconde nos arbustos do jardim sem saber que ele mesmo é uma atração da natureza.
E que saudade de coisas que não existem mais, e que talvez só fossem tão alegres no dia a dia porque a lembrança de hoje assim nos faz acreditar.
Coisas como esperar a segunda-feira vir e ir embora e viver uma terça-feira não planejada que de repente podia terminar em um buquê de flores vermelhas só pra variar.
E que saudades das quartas-feiras de amigos e do mesmo futebol em que, não importa a torcida, nosso time não emplaca um campeonato há muitos e muitos anos.
Mas quem se importa? Porque a quinta-feira vem com o programa bobo da televisão cuja boa qualidade nós só notamos mesmo no verão, que é quando eles saem de férias e colocam alguma filme velho, chato e picotado no lugar.
E que saudades do dia em que ela vem, bonita e triunfal, terminar com chave de ouro a semana que, agora eu sei, passava realmente voando: a sexta-feira vinha alegre, com encontros rotineiros com amigos tão amigos que não importa quanto tempo passe vai dar sempre a sensação de que nos vimos ontem pela última vez.
É uma saudade que eu nem fazia ideia de que iria sentir quando a noite estava prestes a terminar e eu me levantava para fechar bem a porta, trancar o trinco da fechadura e me encontrar com quem sempre soube dar sentido para todas as coisas do mundo. Até para a saudade.”
14 de outubro de 2012

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