A (falta de) poesia da morte

A mulher do poeta soluçava perdendo o fôlego do outro lado da linha.

– Ele morreu! Minha vida acabou agora – dizia desconsolada.

Sem saber como lidar com o vazio, ela ligou para o jornal com a esperança de que a notícia no dia seguinte imortalizasse de alguma forma os 50 anos do escritor, tragicamente interrompidos no meio da madrugada.

Ela contou que o enterro teria que ser adiado porque o IML ia demorar para liberar o corpo da autópsia.

Quando lhe perguntaram a causa da morte, a mulher do poeta desabou a chorar e a questão ficou flutuando tal como o som triste de uma corda grave solta de um contrabaixo velho e desafinado.

Depois, desesperada pelo baque súbito da noção da falta de vida, ela desligou.

O poeta, todos ficaram sabendo depois, havia se suicidado. Tinha 50 anos, sete livros publicados, setecentos e quarenta e nove poemas e uma imensa melancolia.

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