Eu descobri de uma maneira meio estranha que eu não sou eu por inteiro. Nem sequer por uma boa parte. Eu só sou eu por uma parte pequena, bem pequena. Uma partezinha que engana todo o resto e me faz acreditar que eu sou eu totalmente. Mas eu não sou.
Infelizmente.
Eu acho…
Descobri o truque da ilusão quando me deparei falando com você. Foi quando você já não existia mais. Quando os anos calcificaram as emoções todas do jeito tipicamente bruto que a natureza faz com o tempo. É assim mesmo.
Num dia, quando não tinha mais resquício de você e de nem mais ninguém, quando eu estava sozinho, me peguei conversando com você. A gente falava de novidades e sentimentos. E de desejos. Que, como todo desejo, a gente acha que tem, mas no fundo não sabe que tem. E nem qual é. Porque a gente não é a gente por inteiro.
É aí que tá. Naquele dia você me parecia por inteiro. Você me parecia por inteiro naquele dia. Quer dizer… Não você-você… Sabe? Acho que você entendeu.
Só que eu demorei pra entender uma coisa. Que o processo todo de não ser eu inteiramente é que, no fundo, eu sou muitos fragmentos de personalidades que me habitam. Nós somos.
Felizmente.
Eu acho…
Acho que ainda sou a personalidade dominante. É assim que eu sinto. Mesmo que seja um pequeno reino, é a maior proporção de terra que há disponível. Ao menos em relação às outras personalidades, aos outros reinos.
E é aí que você entra. Você é minha segunda personalidade que mais domina território depois daquela fração de mim. Você entrou de um jeito tão forte na história que é como se uma parte de você tivesse germinado na terra que eu nem sabia que podia florescer. E não é uma simples versão adulterada de você, não. É uma mini-você. E também é todo um você que você não é, porque é parte de mim.
Engraçado falar de tudo isso assim. Mas quando eu descobri que você me habita aqui, eu me senti mais eu.
Enfim.
Obrigado.
Eu acho.
O seu maior presente foi estar sempre presente. De você pra mim.