Primeiro ela me falou assim:
— Eu detesto a ideia de viver uma vida morna. Eu quero tudo ou não quero nada. Eu quero sim. Quero sempre. Quero mesmo sem querer. E quando eu não quero, eu quero não querer. Porra! É tão difícil entender? A vida é muito curta pra gente ser raso.
Eu respondi alguma coisa que não me lembro bem. E aí ela falou do dia em que tinha sonhado com o psiquiatra.
— É normal a gente sonhar com o psiquiatra?
— Se você está em terapia, eu acho que sim…
— Foi um sonho esquisito. Na sala dele tinha um quadro do Ayrton Senna saindo de um pântano. O pântano era marrom e o Senna estava pintado de amarelo… Aí depois ele pegou uma máquina. O psiquiatra, não o Senna. E falou um monte de coisas sobre elétrons e prótons e núcleos e não sei mais o que. E aí ele colocou um limão bem no meio, entre a gente. E ligou a máquina. O treco fez um barulho de gerador. De repente tudo começou a tremer, o céu ficou cinza e era como se eu estivesse num avião bem no meio de uma turbulência. Só que não era avião. Era a sala mesmo. Estava parada, mas parecia que não estava. Parecia que estava caindo… E aí, do nada, o limão explodiu.
— O limão explodiu?
— A casca voou e espirrou limão pra todo o lado. Na parede, na cadeira, no chão. E a única coisa que o psiquiatra falou foi: ‘É difícil ser um heroi, né?’ e apontou para o quadro na parede.
— O quadro do Senna?
— O quadro do Senna saindo de um pântano.
E ela voltou a beber a cerveja antes que esquentasse no copo.