Você me ensina?

Eu a parei na rua de impulso, sem pensar porque se pensasse jamais o faria.

– Nossa, o jeito que você anda…

Ela se surpreendeu. Eu também.
Naquela hora, eu estava num estado de transe olhando o mundo, o senhor bigodudo que quase caiu do ônibus, o carro amarelo que passou no sinal vermelho, o menino que tocava a guitarra estridente na calçada esperando moedinhas. Isso tudo acontecia quando ela cruzou minha vista andando assim como quem anda nas nuvens.

E aí, depois do espanto inicial, eu tentei me explicar.

– No meio de tanta gente apressada, se batendo e olhando pro chão, você anda assim tão leve, joga os braços com uma paz, uma tranquilidade… É meio como se nada mais tivesse importância. Acho que nunca vi alguém andar assim desse jeito.

E ela, meio tímida:
– Obrigada…?

E eu:
– De nada. Você me ensina?

Veio um longo segundo levemente desconfortável.

– Ensinar…? A fazer o que? A andar?

– A não se preocupar. Com o mundo, com nada do mundo. Você me ensina a andar assim, pensando nas nuvens?

– Olha… Que coisa mais maluca! Você tá falando sério?

– Se é sério que eu quero aprender a não andar de um jeito tão sério? Sim, é sério.

– Tem gente que acha que isso é um grande defeito, sabia? Sempre me dizem. Que eu sou avoada, que eu nunca estou onde eu tenho que estar, que–

– Quem acha isso um defeito é que tem maior defeito.

E ela sorrindo:
– Você acha?

E eu sem sorrir:
– Acho.

E agora ela me olha de verdade. E, pela primeira vez, ninguém corta a conexão.

– E aí, você me ensina?

– Ensino.

E as nuvens desceram pra gente subir nelas.

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