Sobre amor e chocolates

A primeira mordida foi cuidadosa, bem no meio do bombom de chocolate amargo que se dividiu ao meio, deixando cair levemente uma gota do licor de cereja. O pedaço foi se desmanchando na boca de Giorgina, derretendo-se na mistura da saliva com as mastigadas contadas. Dezenove ao todo. Nem mais nem menos. Ela fechava os olhos e abria, deleitando-se com o gosto de chocolate, gosto encorpado, saboroso como ela há muito tempo não sentia.

Naquela época a vida não estava nada boa. Depois de três grandes relacionamentos frustrados, Giorgina decidira viver só. E estava indo muito bem com a nova vida. Tinha tempo para cuidar de si mesma, fazer ioga, aula de violão e sair com as amigas no fim de semana sem a preocupação de ter que figurar ao lado de alguém.

Mas verdade seja dita, ela sentia a ausência de um namorado nos momentos em que caía de tanto beber, na hora de dormir em sua infinita cama King size ou quando terminava o filme sem ter ninguém com quem conversar.

É claro que ela tinha uns casos por aí, como não poderia deixar de ser. Mas todos eles – todos, sem exceção -, tinham algo de antinatural. O toque dos rapazes com quem ficava era áspero. O beijo, sem graça, e a emoção… Inexistente. Também não havia nem sentimento. Para ela, era difícil, aos 32 anos, voltar à vida de relacionamentos com estranhos. Também era ruim ter de compartilhar a cama, comprada em suaves prestações divididas com o ex, com uma pessoa que acabara de conhecer entre drinques amargos na mesa de bar.

Pouco a pouco, deixou de lado as festas, os encontros casuais e até a bebida. Mas se permitiu um vício que julgava inofensivo. O chocolate, ela costumava dizer em noites de overdose, substitui o amor.

E assim foi. Do vício, criou um negócio. Juntou dinheiro, viajou à San Carlos de Bariloche. Aprendeu tudo sobre a confecção de chocolates e voltou para abrir a própria chocolateria. No plano de negócios, colocou uma margem atípica, um pedaço do orçamento para o próprio consumo já que ela mesma criava, fazia e degustava os próprios produtos. Ninguém é de ferro.

Era na parte da degustação que Giorgina colocava todos seus demônios à prova. Era rígida com as misturas, as medidas e com a tridimensionalidade do sabor de chocolate. Afinal, na Giorgina Chocolates, o consumidor tinha que ter uma experiência gastronômica. Como ela costumava dizer com orgulho, o negócio não era sobre vender chocolates, mas sobre compartilhar experiências.

A venda logo prosperou. Giorgina engordou, ficou mais velha e, sem mistério, mais chocólatra, já que teve que aumentar consideravelmente a quantidade de doce para suprir a própria resistência ao vício.

Quando passou a acreditar que chocolate era mesmo o sentido da vida e que nada mais poderia esperar da existência anárquica de sortes e azares do mundo, algo diferente aconteceu.

O fabricante argentino de licores de papaya para chocolates brancos feitos com raspas de coco ao leite saiu de Bariloche e entrou no estabelecimento de Giorgina para uma visita de campo. Foi amor à segunda vista. Dele e dela.

Foi assim que Giorgina decidiu se entregar, uma vez mais, ao amor. Com o argentino, o toque deixou de ser áspero, o beijo deixou de ser estranho e o vício… Ah, o vício passou a ser compartilhado porque assim, diziam eles, era muy mejor.

24 de abril de 2014

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